Sem medo

 

Não me surpreende mais que coisas simples do meu cotidiano frequentemente me tragam reflexões profundas. Nem sempre registro tais aprendizados e, às vezes, até esqueço. Mas algo aconteceu e não posso simplesmente ignorar. Por isso, estou aqui, nessa tarde chuvosa de um domingo de novembro, com meu coração saltando de alegria por ter a grandiosa oportunidade de participar da criação dos meus netos, dentro da parte que me cabe, sem ultrapassar barreiras que pertencem aos pais. E isso é o que torna a relação entre avós e netos tão especial.

Dito isso, posso afirmar que a aprendizagem é mútua, tanto eles aprendem comigo, como eu aprendo com eles. Confesso, com toda sinceridade da minha alma: eles são a melhor parte da minha vida.

Tenho refletido bastante sobre um momento que, instantaneamente, reconheci como uma grande lição de vida.

Meu netinho caçula adora iogurte e, sempre que vou pegar na geladeira, ele me acompanha para escolher pessoalmente o sabor. Pois bem, nesse dia em especial, como de costume, peguei a bandeja para tirar o pote do sabor que ele escolheu. Porém, estava muito difícil separar as unidades. Ele, impaciente e falante como sempre, me observava com atenção. Apesar de ter apenas três anos, comunica-se com uma clareza que impressiona, como um adulto. Enfim, consegui separar dois potes, mas com muito cuidado, com medo rasgar a tampinha e derramar o conteúdo. Meu receio me fazia hesitar.

Quando ele percebeu que eu tinha conseguido separar dois potes, pediu imediatamente para tentar. Entreguei a ele, que, com uma mãozinha de cada lado, deu apenas um golpe firme e quebrou a embalagem sem nenhum receio. Escolheu o pote dele e me entregou o outro.

Peguei o potinho da mão dele, maravilhada com a reflexão que aquela cena simples me trouxe. Foi um momento breve, mas cheio de significado, que me fez enxergar algo muito maior através da atitude espontânea de uma criança.

O que nos acontece no dia a dia, o que fazemos e o que deixamos de fazer, geralmente somos influenciados por outras pessoas, por exemplos bons ou ruins, por nossas próprias experiências, boas ou ruins, ou até mesmo por instinto. No caso em questão, o que me ocorreu naquele momento foi que, quando temos medo de um possível resultado ruim, seja por experiência, exemplos ou lógica, o sentimento que nos invade é o medo. E, principalmente no início, esse medo é normal. Ele é importante para que sejamos cuidadosos, mas, infelizmente, às vezes ele ultrapassa esse limite e nos impede de executar algumas tarefas, seguir nossos planos ou até realizar nossos sonhos. Isso acontece quando temos plena consciência de algo pode dar errado, quando percebemos os riscos. E, então, tomamos tanto cuidado que em alguns casos, até desistimos.

Desistimos de tarefas, viagens, relacionamentos, mesmo antes de tentarmos, simplesmente por termos medo de correr o risco. Principalmente fracassamos varias vezes e de várias maneiras. Não estou dizendo que isso não seja normal. É normal e até muito comum, eu diria. É bastante saudável se precaver, mas pode se tornar prejudicial quando o medo nos impede de agir ou apenas nos faz procrastinar.

O exemplo da criança e sua determinação em separar as duas partes com um único golpe, firme e certeiro, alcançando seu objetivo na primeira tentativa, mostra como é possível agir sem medo, sem o conhecimento do perigo, sem referencias negativas sobre aquela experiência. Mesmo tendo a consciência de que existia o risco de quebrar, rasgar e derramar o iogurte no chão, eu não o adverti. E, apesar de ver o meu medo, que já estava evidente, ele não seguiu o meu exemplo, mas sim o seu instinto, e assim alcançou o objetivo.

 

Quando me coloco no lugar dele, sinto vergonha. Hoje, com um pouco mais de maturidade, não fico mais me lamentando tanto meus erros, meu passado, minhas derrotas e tantas tentativas frustradas. Quantas vezes que comecei e desisti de muitas coisas. A maioria por comparações e por prever que estava prestes a dar errado, o que me impediu de continuar e enfrentar os obstáculos. Simplesmente tive muito medo, devido aos meus exemplos anteriores, a cada situação semelhante. Isso vale para profissões, relacionamentos, saúde, estudos e empreendimentos. Isso fala direto com o meu comodismo, confesso. Para mim, nunca foi fácil pegar uma bandeja de iogurte e quebrar de uma vez. Eu tenho medo de correr riscos, de um prejuízo, físico, mental e financeiro. Eu sei que, por ser tão cuidadosa, por ser organizada, metódica e previsível, tive e ainda tenho muito prejuízo. O medo de me tornar algo que eu não queria ser, caso tivesse vencido alguma das batalhas das quais desisti, foi o que na maioria das vezes me incentivou a procrastinar e até mesmo a falhar.

 O que eu gostaria de compartilhar aqui não é a minha ideia de fracasso pessoal, não se trata de mim, mas sim de uma mensagem de otimismo e esperança em si mesmo. Pois, hoje ao olhar para trás, vejo que o medo, embora tenha me protegido em muitos momentos, também me impediu de viver plenamente. No fundo, sei que, assim como o meu neto se entregou a tarefa sem receio, eu também poderia ter dado mais passos corajoso, enfrentando o que me parecia um risco iminente, o aprendizado que tiro e gostaria de deixar através desse relato é que, às vezes, a verdadeira derrota está em não tentar. Não podemos deixar que o medo do erro nos prenda a inação. Ainda sou cuidadosa, ainda sou meticulosa, mas hoje consigo olhar para os desafios com um pouco mais de leveza, disposta a arriscar mais, a enfrentar as quedas, sem que elas me definam. Porque é ao tentar que, de fato, crescemos.

 

 

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