Ecos do meu nome

Este espaço

Não é sobre aprimoramento pessoal, tampouco estabilidade emocional,  trata-se de reflexões de uma mente em movimento. Um espaço para pensar ...

novembro 30, 2024

Revolta e gratidão


 

Sei que esse assunto tem se tornado repetitivo, mas ainda assim sinto a urgência de falar sobre ele sempre que surge a vontade ou a necessidade. Expressar-me a respeito ainda me causa dor, mas, ao mesmo tempo, há um contentamento ao concluir cada texto, frequentemente acompanhada de um alívio. As palavras que saem do meu coração carregadas de angustia, revolta, gratidão e contentamento, embora dolorosas, me trazem certo reconforto.

Normalmente, quando perdemos alguém que amamos, seja porque esta pessoa partiu pra sempre, faleceu, ou de outra forma se foi, é comum começarmos a nos questionar sobre o tempo desperdiçado, por não termos aproveitado mais a presença desse ente querido enquanto ele ainda estava entre nós. Isso aconteceu comigo e ainda acontece, sempre que me pego refletindo sobre a perda do meu pai. Culpo-me e arrependo-me repetidamente por não ter valorizado mais o tempo em que ele esteve conosco. Sou profundamente grata por ter tido a sorte de ter um pai como ele. No entanto, expressei essa gratidão poucas vezes em palavras – palavras que, mesmo sinceras e vindas do coração, pareciam vazias, já que quase nunca eram acompanhadas de atitudes que as comprovassem.

Sempre tive bons exemplos do meu pai. Ele nunca nos deu um único motivo para nos envergonhar. Pelo contrário, éramos nós às vezes, que o decepcionávamos - principalmente eu, que sempre dei mais trabalho em todas as áreas da minha vida. Talvez por isso eu tenha tanta dificuldade em superar sua perda. Há tantas coisas que ficaram por dizer, tantos arrependimentos acumulados. Por esses motivos sinto-me revoltada por sua partida tão prematura. Mesmo sabendo que, um dia todos vão morrer, ainda é inadmissível aceitar de bom grado quando isso acontece – especialmente de forma repentina, como foi com ele. Ele estava doente, mas isso já era algo comum; meu pai sempre teve problemas de saúde. Talvez fossem mais graves do que ele demonstrava, já que sua morte nos pegou praticamente de surpresa.

Eu estive com ele naquela tarde em que se queixou de tanta falta de ar. Ainda comentei que poderia ser ansiedade. Mal sabia eu que seus pulmões estavam se deteriorando e, por fim, se fecharam completamente. Ele sentiu uma falta de ar angustiante que pediu para que fizessem algo para acabar com aquilo. Foi então que sofreu um AVC, como se estivesse pedindo, em seu desespero para ser libertado. Não sei ao certo como foi, pois eu não estava lá. Quando me chamaram, ele já estava desacordado, após o AVC, e não voltou mais.

O que mais me dói é lembrar que não tive tempo de me despedir adequadamente naquela noite. Mas, ainda mais doloroso, é lembrar que não me despedi de verdade naquela tarde. Foi a ultima vez que ouvi sua voz, a ultima vez que o vi de pé. Eu disse: “Bênção, pai”, e ele respondeu: “Deus te abençoe”. Depois, virei-me e fui embora, apressada, correndo sem motivo, apenas desejando estar em casa. Para nada. Angustiada por problemas que já não tinham solução. Eu não poderia ter feito nada para salvar sua vida, mas poderia ter ficado um pouco mais com ele naquele momento.   

Estar revoltada por não ter tido tempo suficiente para ser como eu gostaria, por não ter dito tudo o que gostaria de ter dito, por não ter tomado atitudes das quais ele pudessem se orgulhar, tudo isso não importa. Não porque não seja válido se revoltar, mas porque, ao remoer todo esse sofrimento e renovar essa dor a cada dia, isso não ajuda. O que eu realmente preciso neste momento - nesta hora em que nada mais se pode ser feito, a não ser esperar que o luto passe de forma saudável – é viver cada fase do luto sem pressa. A dor não vai embora, o sentimento não acaba, mas repousará, e, através das lembranças, parecerá um pouco menos doloroso.

Estou grata, mesmo estando ainda revoltada. Sou grata pelo tempo que tive a honra de ter meu pai comigo, pelo que aprendi com ele, a maioria das lições sem ouvir uma palavra sequer, mas sim através dos exemplos e das atitudes dele. Confesso que não foi simples compreender o que ele estava tentando nos ensinar, já que nunca achou que precisasse explicar. Em sua vida não houve um instrutor, cresceu sem pai, e, sempre se virou sozinho e queria que nós fizéssemos o mesmo.

Nunca me esquecerei de uma ocasião em que chegou em casa com uma viola e me deu para que eu aprendesse a tocar. Mas queria que eu aprendesse sozinha, sem professor, já que meu tio, irmão de minha mãe e grande amigo dele, aprendeu sem professor. Ele era autodidata, mas nem meu tio sabia o que isso significava, muito menos meu pai. Para ele, qualquer pessoa que quisesse tocar um instrumento não precisava de professor, apenas de dedicação. Algumas coisas, confesso, eram radicalismos que não consegui compreender no momento em que aconteceram. Foi difícil entender o que ele queria que fizéssemos, algo que, na cabeça dele, estava tão claro. Hoje  depois de tantos anos, e só depois que ele faleceu, pude compreender muita coisa sobre o que ele nos ensinava. Sinto até vergonha de muitas coisas que fiz, mesmo depois de adulta, não só por ousadia, mas por infantilidade e ingenuidade. Palavras que falei...  Dou graças a Deus pelo pai que, mesmo tão fechado, se mostrava paciente - algo que eu nem imaginava que ele fosse. Se algo semelhante acontecesse comigo, não sei se conseguiria ficar calada ou teria sabedoria para processar da mesma forma que ele processava as minhas atitudes, falhas e loucuras.

Agradeço a Deus pelo pai que me deu. Mesmo estando revoltada pela sua partida, pelo tempo que perdi e pelo tempo que não terei sou grata pelo tempo que tive e pelas vezes que não o desperdicei. Mesmo sem saber que ele tinha tanta paciência comigo, me dando tantas segundas chances e fechado os olhos para meus devaneios, ou ignorando meus fracassos, sempre estendeu a mão, mesmo quando eu não merecia, na maioria das vezes. Preferia não acreditar numa ferida da minha alma, ou apenas fingia, talvez para não sentir que ele não me protegeu o suficiente quando as coisas aconteceram, entretanto o que sinto hoje, sem nenhuma mágoa a respeito disso, é que compreendi que ele passou a vida demonstrando da forma que podia que sempre se importou.

Agradeço ao meu pai, mesmo que fora de tempo, até por não ter entendido e não saber o porquê me protegia, ou simplesmente se protegia. Tento aprender com meu pai, que às vezes se calar, não tomar partido, e, fazer o que se pode fazer é suficiente. Ao invés de criticar um erro e ofender, ou apoiar a dor do outro como se a pudesse enfraquecer, o importante de verdade é estar lá, é ser o alicerce, o exemplo.

De toda forma, obrigada meu pai, pelo tempo que tive.

 

 

 

 

novembro 24, 2024

Sem medo

 

Não me surpreende mais que coisas simples do meu cotidiano frequentemente me tragam reflexões profundas. Nem sempre registro tais aprendizados e, às vezes, até esqueço. Mas algo aconteceu e não posso simplesmente ignorar. Por isso, estou aqui, nessa tarde chuvosa de um domingo de novembro, com meu coração saltando de alegria por ter a grandiosa oportunidade de participar da criação dos meus netos, dentro da parte que me cabe, sem ultrapassar barreiras que pertencem aos pais. E isso é o que torna a relação entre avós e netos tão especial.

Dito isso, posso afirmar que a aprendizagem é mútua, tanto eles aprendem comigo, como eu aprendo com eles. Confesso, com toda sinceridade da minha alma: eles são a melhor parte da minha vida.

Tenho refletido bastante sobre um momento que, instantaneamente, reconheci como uma grande lição de vida.

Meu netinho caçula adora iogurte e, sempre que vou pegar na geladeira, ele me acompanha para escolher pessoalmente o sabor. Pois bem, nesse dia em especial, como de costume, peguei a bandeja para tirar o pote do sabor que ele escolheu. Porém, estava muito difícil separar as unidades. Ele, impaciente e falante como sempre, me observava com atenção. Apesar de ter apenas três anos, comunica-se com uma clareza que impressiona, como um adulto. Enfim, consegui separar dois potes, mas com muito cuidado, com medo rasgar a tampinha e derramar o conteúdo. Meu receio me fazia hesitar.

Quando ele percebeu que eu tinha conseguido separar dois potes, pediu imediatamente para tentar. Entreguei a ele, que, com uma mãozinha de cada lado, deu apenas um golpe firme e quebrou a embalagem sem nenhum receio. Escolheu o pote dele e me entregou o outro.

Peguei o potinho da mão dele, maravilhada com a reflexão que aquela cena simples me trouxe. Foi um momento breve, mas cheio de significado, que me fez enxergar algo muito maior através da atitude espontânea de uma criança.

O que nos acontece no dia a dia, o que fazemos e o que deixamos de fazer, geralmente somos influenciados por outras pessoas, por exemplos bons ou ruins, por nossas próprias experiências, boas ou ruins, ou até mesmo por instinto. No caso em questão, o que me ocorreu naquele momento foi que, quando temos medo de um possível resultado ruim, seja por experiência, exemplos ou lógica, o sentimento que nos invade é o medo. E, principalmente no início, esse medo é normal. Ele é importante para que sejamos cuidadosos, mas, infelizmente, às vezes ele ultrapassa esse limite e nos impede de executar algumas tarefas, seguir nossos planos ou até realizar nossos sonhos. Isso acontece quando temos plena consciência de algo pode dar errado, quando percebemos os riscos. E, então, tomamos tanto cuidado que em alguns casos, até desistimos.

Desistimos de tarefas, viagens, relacionamentos, mesmo antes de tentarmos, simplesmente por termos medo de correr o risco. Principalmente fracassamos varias vezes e de várias maneiras. Não estou dizendo que isso não seja normal. É normal e até muito comum, eu diria. É bastante saudável se precaver, mas pode se tornar prejudicial quando o medo nos impede de agir ou apenas nos faz procrastinar.

O exemplo da criança e sua determinação em separar as duas partes com um único golpe, firme e certeiro, alcançando seu objetivo na primeira tentativa, mostra como é possível agir sem medo, sem o conhecimento do perigo, sem referencias negativas sobre aquela experiência. Mesmo tendo a consciência de que existia o risco de quebrar, rasgar e derramar o iogurte no chão, eu não o adverti. E, apesar de ver o meu medo, que já estava evidente, ele não seguiu o meu exemplo, mas sim o seu instinto, e assim alcançou o objetivo.

 

Quando me coloco no lugar dele, sinto vergonha. Hoje, com um pouco mais de maturidade, não fico mais me lamentando tanto meus erros, meu passado, minhas derrotas e tantas tentativas frustradas. Quantas vezes que comecei e desisti de muitas coisas. A maioria por comparações e por prever que estava prestes a dar errado, o que me impediu de continuar e enfrentar os obstáculos. Simplesmente tive muito medo, devido aos meus exemplos anteriores, a cada situação semelhante. Isso vale para profissões, relacionamentos, saúde, estudos e empreendimentos. Isso fala direto com o meu comodismo, confesso. Para mim, nunca foi fácil pegar uma bandeja de iogurte e quebrar de uma vez. Eu tenho medo de correr riscos, de um prejuízo, físico, mental e financeiro. Eu sei que, por ser tão cuidadosa, por ser organizada, metódica e previsível, tive e ainda tenho muito prejuízo. O medo de me tornar algo que eu não queria ser, caso tivesse vencido alguma das batalhas das quais desisti, foi o que na maioria das vezes me incentivou a procrastinar e até mesmo a falhar.

 O que eu gostaria de compartilhar aqui não é a minha ideia de fracasso pessoal, não se trata de mim, mas sim de uma mensagem de otimismo e esperança em si mesmo. Pois, hoje ao olhar para trás, vejo que o medo, embora tenha me protegido em muitos momentos, também me impediu de viver plenamente. No fundo, sei que, assim como o meu neto se entregou a tarefa sem receio, eu também poderia ter dado mais passos corajoso, enfrentando o que me parecia um risco iminente, o aprendizado que tiro e gostaria de deixar através desse relato é que, às vezes, a verdadeira derrota está em não tentar. Não podemos deixar que o medo do erro nos prenda a inação. Ainda sou cuidadosa, ainda sou meticulosa, mas hoje consigo olhar para os desafios com um pouco mais de leveza, disposta a arriscar mais, a enfrentar as quedas, sem que elas me definam. Porque é ao tentar que, de fato, crescemos.

 

 

novembro 19, 2024

Resiliência bipolar


Graduada em surtos e superações, aprendi em meio a crises existenciais constantes, polos imprevisivelmente alternados e conflitos externos e internos, que tudo vêm e vai, sem jamais permanecer para sempre.
Adaptando-me às perdas, me refazendo com o que fica, vivendo um dia de cada vez, escrevendo minha história com canetas de várias cores. Entendo que não sou dona dos próximos capítulos, nem posso garantir que virão. Mas, se vierem a existir, sei que nem tudo dará certo. Ainda sim, terei elasticidade suficiente para me adaptar a cada situação, lugar e pessoa, enquanto encontro e me despeço.
Certamente esperança e desanimo, fé e descrença fazem parte dessa construção, desse barro complexo que sou, ora ressecado, ora excessivamente molhado.

novembro 17, 2024

Missão

 

Até te conhecer não desejava esta missão.

Oferecer afeto, Intimidade, afeição.

Quando conquistava, deixava ir aos poucos, sem dignidade, sentimento ou confiança.

Causando desnecessária dor, sentindo dor, sendo a dor.

 

Inevitavelmente a roda da vida gira e ora ou outra nos leva à parte mais baixa.

Envergonhada, igualei-me aos que atirei do alto.

Ao se aproximar desejei ter, cuidar, zelar como jamais quis, e me entregar, amar. 

Estar lá, não por paixão ou obrigação, mas por desejo.

 

Uma necessidade de ser.

Um capricho seu, um prazer meu e assim ser, apenas sermos eu e você.

Querer encantar-te, sem temores entregar-me, querer ser responsável, não só pelo meu, mas, por nossos sentimentos. 

Querer ter e dar o que sempre tive e jamais doei.

 

Inteiramente ser, completamente me envolver.

Tratava-se de uma bela e convincente atuação.

Deboche seu, engano meu, convencimento seu, devaneio meu. 

Por te conhecer, não espero ou confio em tal missão.

 

Sem oferta,

Sem afeto

Ou afeição,

Meramente encenação.